Injoy – Nutrição Infantil

É comum as mães fazerem alguns ajustes na sua alimentação enquanto amamentam, para aliviar as cólicas do bebé1. Isto pode acontecer devido à pressão para lidar com o choro do bebé e à informação que é partilhada nos meios de comunicação e entre pares2. Pode mesmo levar à crença errada de que o leite materno é que está a causar dor ao bebé.

Mas, o que nos diz a ciência? 

Excluir alimentos que provocam gases

Muitas vezes são evitados os alimentos que provocam gases, como o feijão, o grão, o brócolo, ou a couve, pensando que os componentes que causam desconforto na mãe poderão ser transmitidos pelo leite materno ao bebé. Contudo, não encontramos evidência científica suficiente desta associação3

De notar ainda que alguns dos estudos com resultados positivos apresentam metodologias pouco robustas. Por exemplo, um estudo recente que convidou as mães a excluírem estes alimentos da sua dieta durante uma semana não incluiu um grupo de controlo e não há certezas de que as melhorias não se devam a um efeito placebo4. Mas este estudo apresenta um resultado relevante: foi avaliada a composição do leite materno e das fezes do bebé, antes e depois da intervenção, e não foram encontradas diferenças significativas.

Excluir o leite ou outros alergénios

É também comum assistirmos a uma exclusão dos laticínios da dieta da mãe, como forma de prevenir ou tratar as cólicas do bebé. Isto porque se supõe que os alergénios (como o leite ou os cereais) ao serem transmitidos pelo leite materno possam afetar a digestão do bebé. Mas também aqui não encontramos evidência científica que o justifique3, 5, 6. Aliás, numa das revisões que incluiu vários estudos sobre o tema6, apenas um estudo7 em seis apresentou resultados capazes de indicar um efeito positivo da exclusão de alergénios da dieta da mãe nas cólicas do bebé. 

Mais ainda: se muitas vezes se exclui o leite referindo que o bebé não é capaz de digerir a lactose, associando as cólicas a uma intolerância à mesma, a suplementação do bebé com lactase (enzima que digere a lactose) indica que essa pode não ser a questão, pois também não há evidência suficiente do seu efeito na melhoria das cólicas do bebé3, 5.

Contudo, existem exceções: sempre que há história familiar de alergia e sintomatologia da mesma, que será mais do que ‘apenas’ as cólicas. Por exemplo, no caso da alergia a proteínas de leite de vaca (condição que afeta cerca de 2-3% dos bebés durante o primeiro ano de vida), pode fazer parte do diagnóstico a exclusão de alimentos com estas proteínas da dieta da mãe, durante 3-14 dias8. O diagnóstico é confirmado pelo alívio dos sintomas e pelo seu reaparecimento após reintrodução dos alimentos excluídos8. Esta condição (ou a suspeita da mesma) implica acompanhamento do médico e do nutricionista. 

Importa ainda referir que não existe qualquer benefício em eliminar o leite (ou qualquer outro alimento) da dieta da mãe para a prevenção da alergia alimentar da criança. Até pelo contrário: a exposição do bebé a alergénios presentes no leite materno parece ‘treinar’ o seu sistema imunitário, aumentando a tolerância aos mesmos9.  

Se ainda assim quiser eliminar alimentos da sua dieta, saiba do seguinte:

  • Não deve excluir um grupo alimentar completo (como as leguminosas ou os lacticínios) da sua dieta, especialmente enquanto amamenta, sem cuidar da substituição de nutrientes que esse grupo fornece. E não esqueça que alimentos do mesmo grupo alimentar têm diferentes quantidades dos componentes que quer evitar (ex. quantidade e forma como se apresenta a lactose no leite versus no iogurte).
  • Evite mudanças drásticas, que possam impactar a sua saúde. Por exemplo, é preferível excluir um alimento semanalmente e testar o efeito da exclusão na melhoria dos sintomas.

E não esqueça que… 

O choro continuado não é critério único para o bebé ter cólicas. Procure apoio médico para garantir que é mesmo esse o diagnóstico. E se for, saiba que a maior evidência passa pela suplementação do bebé com próbióticos (nomeadamente com Lactobacillus reuteri)3, 5, 10 e não pelas modificações da alimentação da mãe. 

Lisa Afonso
Nutricionista Infantil | Investigadora Doutorada na área do Comportamento Alimentar Infantil

Curso de Introdução de Alimentos & Consulta de Nutrição

Referências bibliográficas

1. Iacovou M, Gibson PR, and Muir JG, Dietary Changes Among Breastfeeding Mothers. Journal of Human Lactation, 2020: p. 0890334420959283.

2. Kidd M, Hnatiuk M, Barber J, Woolgar M-J, and Mackay MP, “Something is wrong with your milk”. Canadian Family Physician, 2019. 65(3): p. 204.

3. Harb T, Matsuyama M, David M, and Hill RJ, Infant Colic-What works: A Systematic Review of Interventions for Breast-fed Infants. J Pediatr Gastroenterol Nutr, 2016. 62(5): p. 668-86.

4. Iacovou M, Mulcahy EC, Truby H, Barrett JS, Gibson PR, and Muir JG, Reducing the maternal dietary intake of indigestible and slowly absorbed short-chain carbohydrates is associated with improved infantile colic: a proof-of-concept study. J Hum Nutr Diet, 2018. 31(2): p. 256-265.

5. Ellwood J, Draper-Rodi J, and Carnes D, Comparison of common interventions for the treatment of infantile colic: a systematic review of reviews and guidelines. BMJ Open, 2020. 10(2): p. e035405.

6. Iacovou M, Ralston RA, Muir J, Walker KZ, and Truby H, Dietary Management of Infantile Colic: A Systematic Review.Maternal and Child Health Journal, 2012. 16(6): p. 1319-1331.

7. Hill DJ, et al., Effect of a Low-Allergen Maternal Diet on Colic Among Breastfed Infants: A Randomized, Controlled Trial.Pediatrics, 2005. 116(5): p. e709.

8. Koletzko S, et al., Diagnostic approach and management of cow’s-milk protein allergy in infants and children: ESPGHAN GI Committee practical guidelines. J Pediatr Gastroenterol Nutr, 2012. 55(2): p. 221-9.

9. Jeurink PV, et al., Importance of maternal diet in the training of the infant’s immune system during gestation and lactation. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 2019. 59(8): p. 1311-1319.

10. Skonieczna-Żydecka K, Janda K, Kaczmarczyk M, Marlicz W, Łoniewski I, and Łoniewska B, The Effect of Probiotics on Symptoms, Gut Microbiota and Inflammatory Markers in Infantile Colic: A Systematic Review, Meta-Analysis and Meta-Regression of Randomized Controlled Trials. J Clin Med, 2020. 9(4).

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *