É comum sugerir-se atrasar a introdução de alimentos na dieta do bebé com maior potencial de causar alergia: o peixe, o ovo, o iogurte, os frutos secos ou o marisco, entre outros. Esta recomendação, ainda tão comum em Portugal, tem por base o pressuposto da imaturidade e permeabilidade da mucosa intestinal do bebé.
Contudo, há já alguns anos que a evidência aponta um caminho diferente.
Uma revisão sistemática de vários estudos randomizados indicou que a introdução precoce de ovo (4-6 meses) e de amendoim (4-11 meses) durante a diversificação alimentar se associou ao menor risco de vir a desenvolver alergia aos mesmos.
Em 2014 o estudo EAT (Enquiring About Tolerance) avaliou o efeito preventivo da exposição precoce a uma série de alergénios major, em bebés amamentados exclusivamente. Este estudo demonstrou uma redução da alergia alimentar anos depois no grupo de intervenção, comparativamente ao grupo controlo (2.45 vs. 7.3%). Os resultados foram especialmente relevantes para o ovo e para o amendoim.
Já no estudo LEAP (Learning Early About Peanut) um grupo de lactentes com elevado risco de desenvolver alergia alimentar foi exposto frequentemente a amendoim entre os 4 e 11 meses de idade. O grupo controlo evitou amendoim até aos 5 anos de idade. Verificou-se uma redução do risco relativo de desenvolver alergia alimentar ao amendoim de 80% no grupo exposto precocemente ao mesmo. A exposição precoce e frequente parece contribuir para o desenvolvimento de tolerância ao alergénio, contrariamente ao que anteriormente se estipulava.
Com base nesta evidência, a EAACI (Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica) também se posicionou em 2020 a favor da introdução do ovo e amendoim logo após o início da Introdução Alimentar.
Apesar de não termos evidência tão robusta para introduzir precocemente outros alimentos com potencial alergénico (como o iogurte, trigo, sésamo, soja, entre outros) sabemos hoje que atrasar a sua introdução teve efeitos negativos, em alguns estudos observacionais.
O desenvolvimento de tolerância por exposição oral precoce ao alimento não está ainda totalmente compreendido, mas sabemos que o sistema imunitário cria memória relativamente ao alergénio, impedindo reações em exposições futuras. O microbioma intestinal é um mediador importante neste reconhecimento e uma dieta variada garante melhor atuação do mesmo.
Em suma, podemos hoje oferecer ao bebé os alergénios major quando começa a comer, especialmente aqueles que a família consome com frequência. Parece haver vantagem de os introduzir até aos 11 meses, aproveitando assim a chamada “janela imunológica”, período mais propício a criar tolerância ao alergénio. Ao fazê-lo estamos a contribuir para a prevenção da alergia alimentar.
Se a criança tem risco elevado de alergia alimentar, por ter familiar(es) direto(s) com alergia alimentar, é ainda mais importante expor desde cedo aos alimentos com maior potencial de causar alergia.
Que recomendação recebeu a este nível?
Lisa Afonso
Nutricionista Infantil | Investigadora Doutorada na área do Comportamento Alimentar Infantil