Sabemos hoje que o leite materno é muito mais do que um alimento.
É um ‘tecido vivo e dinâmico’, cujos benefícios vão muito além do seu equilíbrio nutricional: contém inúmeros compostos bioativos como imunoglobulinas e hormonas, entre outros componentes. Estes, por serem vivos, não podem ser criados em laboratório e dificilmente sobreviverão ao processo de produção das fórmulas infantis. Por mais esforços que estejam a ser feitos nos últimos anos pela indústria alimentar no sentido de mimetizar os benefícios do leite materno, as fórmulas infantis estão longe de refletir as suas mais-valias. Até porque muitas dessas mais-valias estão ainda a ser estudadas, ou seja, ainda muito se desconhece sobre o seu potencial.
Alguns aspetos surpreendentes sobre o leite materno, que talvez desconheça:
- A sua constituição é dinâmica. A composição altera-se em função das necessidades do bebé. Por exemplo, a sua composição nutricional altera-se ao longo de uma mamada, com base na frequência de mamadas diárias e em acordo com a fase de desenvolvimento do bebé. Por exemplo o colostro, primeiro leite materno, é muito mais rico em proteína. Existem também variações circadianas na sua composição, que podem influenciar o relógio biológico econsequentemente o sono do bebé. Por exemplo, ao longo do dia, variam os seus teores de triptofano, melatonina e cortisol.
- É um escudo de imunidade. Alguns dos compostos bioativos do leite materno, como os macrófagos e as imunoglobulinas protegem o bebé de infeções e a lactoferrina, para além de desempenhar funções antibacterianas, ajuda o bebé a absorver nutrientes como o ferro, e assim a prevenir a anemia. Por sua vez, os oligossacarídeos, que são hidratos de carbono não digeríveis pelas enzimas intestinais, têm efeitos antivirais e antibacterianos e estimulam a colonização da flora intestinal do bebé por bactérias benéficas. Sabemos hoje também que o leite materno não é estéril: possui uma série de microorganismos que colonizam o microbioma intestinal do bebé.
- Promove a regulação do apetite. O leite materno contém também hormonas de regulação do apetite. Ele é, durante os primeiros 6 meses de vida do bebé, a sua principal fonte de leptina, hormona responsável pela saciedade. Fornece também grelina, hormona responsável pela fome e que estimula o esvaziamento do estômago do bebé. De referir ainda as diferenças comportamentais que se associam ao consumo da fórmula infantil por biberão, que desde cedo impede o bebé de regular autonomamente quanto come, por se associar uma porção à refeição. Isto não acontece quando mama: o bebé decide autonomamente a quantidade a ingerir.
- Promove a aceitação de alimentos consumidos pela mãe. Tal como acontece na gravidez, em que os sabores dos alimentos consumidos pela mãe são transmitidos ao bebé pelo líquido amniótico, o mesmo acontece com o leite materno. Alguns estudos detetaram no leite materno sabores a menta, alho e baunilha (entre outros) uma a duas horas depois do seu consumo pela mãe, que permaneceram por 6 a 8 horas. Atenção: sabores mais intensos não devem ser excluídos da dieta da mãe com medo que o bebé rejeite o leite. Até pelo contrário: esta exposição parece promover a aceitação pelo bebé quando encontra esses sabores nos alimentos, na diversificação alimentar.
Por todos estes motivos, mesmo que se comece com os alimentos antes dos 6 meses de idade, é importante que o leite materno continue a ser o alimento principal da dieta do bebé pelo menos até completar 6 meses. Até esta idade, os benefícios estão mais do que comprovados e numa relação dose-resposta: maior quantidade consumida associa-se a maior benefício.
Lisa Afonso
Nutricionista Infantil | Investigadora Doutorada na área do Comportamento Alimentar Infantil